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Dicas culturais da revista piauí

 

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Estar no mundo, mas não se sentir parte dele, observando-o como se espiasse através de um buraco na cerca. São os outros, e não suas inspirações, sua individualidade, que definem sob que condições você irá seguir seus anos de vida. É esta a angústia que marcha junto a Bigger Thomas, o protagonista de Filho nativo, clássico da literatura americana escrito por Richard Wright que a Companhia das Letras relançou em julho no Brasil.

Wright nasceu em 1908, no Mississippi, local dominado pelas leis segregacionistas. Filho nativo foi originalmente publicado em 1940, e lançou o escritor ao sucesso e reconhecimento internacional. Foi aclamado tanto pela qualidade de suas tramas – publicou também Black Boy : Infância e juventude de um negro americano (1945), The Outsider (1953) e White Man, Listen! (1957) – quanto pelo engajamento em questões políticas. Morreu em 1960, quando estava exilado em Paris.

No romance mais famoso, Thomas é um jovem negro que vive em extrema pobreza na periferia de Chicago durante os anos 1930. Comete pequenos crimes e, por insistência da mãe, acaba comparecendo a uma entrevista de emprego. A ida lhe rende uma vaga de motorista particular na casa de uma família branca e rica que se esforça para demonstrar o quanto reconhece a humanidade dos negros, fato que causa desconforto em Thomas desde o primeiro encontro. Lancinante, a trama se estende a partir desse contato entre Thomas e a família rica, inserido num contexto marcado pela violência e as questões sociais que cerceiam a relação.

O protagonista é um jovem angustiado pela falta de perspectiva e pelas incontáveis possibilidades frustradas de sua vida, como a de pilotar um avião – desejo que menciona em conversa com um colega. Segundo o próprio Wright, Thomas foi inspirado em pessoas negras que conheceu ao longo da vida e que não se encaixavam no perfil de subservientes. Trata-se de um personagem complexo, cujo desenvolvimento magnetiza através do arco que evoca suspense, desamparo e violência, mas sobretudo uma humanidade pungente, ao longo das 504 páginas do romance.

O cubo mágico foi criado em 1974 pelo acadêmico húngaro Ernő Rubik. Originalmente, ele não idealizou o objeto como um brinquedo, mas como uma ferramenta de ensino para os seus alunos de arquitetura. A premissa era que havia um problema a ser solucionado. O filme A sala dos professores, dirigido pelo cineasta alemão İlker Çatak, parte desse mesmo pressuposto.

Indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2024, o longa-metragem que acaba de chegar na plataforma de streaming Max se passa em uma escola que tem uma política de tolerância zero com atos de indisciplina dos alunos e funcionários, operando quase como um estado policial. A trama principal desse drama psicológico gira em torno de uma denúncia feita pela professora Carla Nowak (Leonie Benesch) contra uma pessoa supostamente envolvida em uma série de roubos no colégio. O que mais instiga o espectador a partir dessa ação aparentemente ética da docente é a maneira como diferentes pessoas são afetadas pela denúncia, bem como a abordagem desastrosa adotada pela escola. 

A denúncia causa um alvoroço na turma de adolescentes em que Nowak leciona, no grupo de pais, de professores – e consequentemente na própria protagonista, que coloca em xeque sua crença no sistema educacional vigente. A personagem principal gradualmente perde o papel de autoridade como docente – e os alunos também perdem ao não terem essa referência no ambiente escolar. 

Além de retratar a difícil tarefa de educar, o que permeia o filme é a impossibilidade do diálogo em um ambiente opressivo. A professora não pode relatar o que aconteceu; o jornal da escola tenta noticiar o caso e é censurado. Todos que tentam se manifestar têm o diálogo cortado. A relação da professora com o aluno Oskar (Leonard Stettnisch) merece especial atenção. O menino já sofria bullying e acaba por ser diretamente impactado pela denúncia de roubos na escola. É para esse estudante que Carla Novak empresta um cubo mágico resolvido pela metade. Talvez nem ela saiba solucionar o problema em que ela mesma se colocou.

O que fazemos com o tempo que ainda nos resta? Essa é a pergunta que surge a partir da peça teatral Três mulheres altas. A peça – um clássico do teatro escrito pelo dramaturgo americano Edward Albee na década de 1990 – ganha nova vida na adaptação do diretor Fernando Philbert, que usa o texto para abordar questões contemporâneas, como a mulher na sociedade, machismo e casamento.

Suely Franco, Deborah Evelyn e Fernanda Nobre interpretam três mulheres em diferentes fases da vida: juventude, maturidade e velhice. A idosa, com mais de 90 anos, está doente e com perdas de memória; a adulta na meia-idade é uma dama de companhia; e a jovem é uma advogada responsável por administrar os bens da senhora. O fio condutor da história é a vida da idosa, que já não se lembra de muita coisa, rememorada em seu quarto. Mas a história abrange também a relação das mulheres mais jovens, e como as três lidam com o envelhecimento. 

Dos diversos embates travados por elas, o passar do tempo é o personagem principal. As comparações entre três gerações distintas faz com que os espectadores de qualquer idade se identifiquem com a narrativa. Três mulheres altas tem muitos momentos cômicos, mas a montagem também provoca reflexões profundas sobre relações familiares e como elas se alteram ao longo do tempo. Dividida em dois atos, o ponto alto da peça é a segunda parte, na qual tanto as personagens quanto o cenário enfrentam mudanças – e revelam não ser bem aquilo que aparentavam anteriormente.

A peça fica em cartaz até o final de setembro no Teatro Copacabana Palace (as sessões acontecem de quinta a domingo).

O narrador e protagonista de Cássio no Campinho, conto de Ricardo Lísias publicado na edição de agosto da piauí, nasceu e passou a infância na Cohab 1, na Zona Leste de São Paulo. À medida que relembra alguns eventos de sua vida – o abandono do pai, o assassinato de um vizinho – ele traça um esboço da vida na região, enquanto também nos guia por momentos históricos do país (a Copa de 1982, o massacre do Carandiru) vistos pelas lentes do bairro. À medida que o conto avança, porém, adicionam-se camadas inesperadas à história. O que parecia uma narrativa realista clássica se torna cada vez mais difícil de decifrar – até chegar a um ponto culminante, outro momento histórico que ao mesmo tempo é um momento do bairro, definidor da identidade fragmentada de quem narra.

Ilustração_Pedro Franz_2024

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Enviado por Revista Piauí

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